Por: Rodrigo Varejão Pereira, Bacharel em Letras pela USP; Pós-graduado em Psicopedagogia pela UNISA; MBA em Gestão Escolar pela USP; Graduando em Pedagogia pela UNIP.
Entre a praga e o naturicida: a morte anunciada
Agrotóxicos, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, desinfestantes, biocidas, são produtos controladores de pragas. Mais estreitamente, exterminadores: inseticidas, assassinos de insetos; acaricidas, de ácaros; moluscicidas, de moluscos; rodentiscidas, de roedores; fungicidas, de fungos; herbicidas, de ervas daninhas; bactericidas, de bactérias.
O sufixo -cida ou -cídio do Latim caedere, significa “matar, imolar, derrubar” e anuncia diretamente a ação do homem: exterminar. Agrotóxicos são, portanto, elementos tóxicos com potencial assassino.

Nível de toxidade
Fonte: http://www.agro.basf.com.br/agr/ms/apbrazil/pt_BR/content/APBrazil/sustainability/EPI/apresentacao_classificacao-anvisa
É o preço humano que se acredita que deva ser pago pela natureza. Insetos são pestes, pragas, infestações. Significados acentuadamente pejorativos. Ora, a ordem da natureza se fundamenta na mais evidente religião natural: a teoria da evolução. O homem a desrespeita.
Em proporção, um inseto é realmente desprezível. Mas seu número massivo e o potencial destrutivo são inadmissíveis para a ambiciosa indústria que criou uma revolução química responsável pelo massacre da agricultura natural.
Todavia, na grandiosa pequenez dos insetos, há riscos: uma extinção de abelhas levaria espécies à beira da eliminação, pela ausência de polinização. O DDT, do qual trataremos aqui, é um exímio exterminador de abelhas. Destas contradições, neste artigo, pretendemos rediscutir o estereótipo da morte artificial gerada pelo homem e a necessidade da vigilância de seus atos.
Entre a Primavera e o Silêncio: uma sutil percepção
Rachel Louise Carson foi bióloga e escritora que polemizou uma modificação comportamental importante do nosso século. Lançou um ousado livro: “Primavera Silenciosa”.

Primavera Silenciosa
Fonte: http://www.terra.org/categorias/libros/primavera-silenciosa-la-primavera-del-despertar
Ela denunciou a morte de pássaros e tantos outros, por agrotóxicos, que silenciaram nas primaveras. O livro é de 1962 e fez muito barulho. Por causa dele a escritora sofreu ataques impostos pela indústria química para atingir sua credibilidade acadêmica.
Nele, Rachel antecipou a discussão sobre magnificação trófica, um dos temas principais da Convenção de Estocolmo, a bioacumulação por níveis alimentares, no auge do uso do DDT. Sobre os biocidas, afirma: “(…) São substâncias químicas não seletivas, que têm poder para matar toda espécie de insetos, tantos os ‘bons’ como os ‘maus’.”
Entre o DDT e o Agente Laranja: as barbáries químicas
Em 1939 o entomologista suíço Paul Müller ratificou as propriedades inseticidas do DDT. Disto herdou o Prêmio Nobel da Medicina, por causa do uso do inseticida no combate a malária. Foi, além, utilizado na prevenção de tifo e piolhos em soldados.
A mais massiva produção de DDT se deu a partir de 1945. Acredita-se que sua produção tenha sido massiva nos EUA: estimada em 1959, foi de 35.771; em 1963, 81.154 toneladas. A Suécia baniu o DDT em 1970. O Brasil, com as Portarias n.o 356/71 e nº 357/71, passou a controlar diversas formas de uso do DDT.
Seu uso massivo se justifica na mentalidade da época. O DDT é produto gerado a partir da revolução industrial química, que permitiu ao homem a capacidade infinita de gerar produtos orgânicos sintetizados. Os maiores vilões dessa época são os organoclorados, principalmente: o BHC (hexaclorobenzeno) e o DDT (diclorodifeniltricloroetano).

Fórmula estrutural do DDT
Fonte: http://alunosonline.uol.com.br/quimica/o-inseticida-ddt.html
Há outro organoclorado letal de fama internacional: o Agente Laranja. É um herbicida largamente utilizado na Guerra do Vietnã, como desfolhante. O produto apresenta acentuadas cargas de dioxina, que se caracteriza por uma grave potencialidade cancerígena. Milhões foram afetados, inclusive por danos sucessivos a gerações futuras de deformações graves.
Mas este mal não morreu no Vietnã. José Eduardo Mendonça, da revista Planeta Sustentável, nos anuncia uma triste notícia: o uso de agente laranja na prática de desmatamento na Amazônia. Sobre esta barbárie, ele afirma: “No Brasil, as autoridades ambientais foram alertadas pela primeira vez sobre o uso de agente laranja na Amazônia através de fotos de satélites (…)”.
Entre o pesticida e a arma química: a ciência que não se sabe…
O gás Sarin é resultado de uma ciência que não se sabe, enfim, aonde vai parar. Da maliciosa proposta de criar um pesticida mais letal, surgiu uma das mais potenciais armas químicas da contemporaneidade: o gás Sarin, criado por químicos alemães e contraditoriamente utilizado em episódios bárbaros da nossa modernidade.
Os males letais deste gás inodoro são inúmeros. Sabe-se de seu uso em episódios terroristas no Japão. Suspeita-se de uso em episódios no confronto da Síria atual.
Entre organoclorados, organofosforados, carbamatos e piretróides: tipificando danos
Mesmo com a agressiva política da indústria moderna, ao longo dos anos foram explorados químicos menos danosos, progressivamente, ano a ano. Dos antigos organoclorados até os atuais piretróides muitas foram as mudanças, ainda que, no Brasil, a contaminação por agrotóxicos continue acentuada.
Inseticidas organoclorados são derivados do cloro, hidrogênio e carbono. Matam por ingestão e contato. Alteram propriedades enzimáticas da membrana celular e interferem na transmissão de impulsos nervosos. Seu uso é restrito, devido à longa persistência no organismo e à acentuada toxicidade. Entre os principais do mercado estão: DDT, Aldrin, BHC, Lindane, Dieldrin, Clordane, Endosulfan, Heptacloro e Mirex.
A intoxicação por organoclorados causa movimentos musculares involuntários, alteração comportamental, depressão do sistema respiratório, arritmias, lesões hepáticas e renais. São cumulativos em lipídios e podem se acumular nas gorduras do leite, criando efeitos tóxicos em lactentes. Atravessam a barreira placentária.

Mapa Brasileiro de Agrotóxicos
Fonte: http://www.observatoriosocial.org.br/er17/veneno-mesa.html
Inseticidas Organofosforados são derivados hidrossolúveis do ácido fosfórico e podem alcançar um maior espectro de vítimas, como fungos, por exemplo. Inibem irreversivelmente colinesterase, e alteram a transmissão do impulso nervoso. É por este mesmo motivo que geram inúmeras armas químicas, como o Sarin. Entre os inseticidas mais conhecidos estão: Malathion, Temephós, Diazinon, Fenitrothion, Dimethoate, Sumithion. Seus danos são variantes segundo receptores atingidos: miose, secreção pulmonar, sialorreia, dispnéia, cianose, vômito, bradicardia, taquicardia, edema pulmonar, fraqueza e hipertensão, ansiedade, cefaléia, depressão respiratória e cardiovascular.
Inseticidas Carbamatos também inibem a colinesterase, contudo não se apresentam irreversíveis. São encontrados no mercado: o Aldicarb, o Carbofuran, o Carbaril, o Metomil, o Propoxur, o Mercaban, o Temik e o Neocid. Os carbamatos tem rápida distribuição no organismo. Deles tem toxicidade de leve a moderada, salvo o Aldicarb que é sistêmico e bastante tóxico.
Inseticidas Piretróides são originários de ésteres extraídos de crisântemo. A princípio eram naturais, mas hoje são sintetizados, inclusive por serem mais eficazes. Apresentam alta toxidade para insetos e baixa para mamíferos, também baixa incidência de permanência no organismo. São encontrados no mercado: Aletrina, Resmetrina, Cypermetrina, Permetrina, Deltametrina, Alfacypermetrina.
Entre danos e regulamentação: a Convenção de Estocolmo
Com histórico tão inconstante no uso de produtos químicos no mundo, foi criada a “Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes”, como tentativa de combater esses males. É o documento oficial que reconhece a necessidade de promover segurança química no mundo. Seu principal norte se instrumenta sob a medição da permanência de poluentes no ambiente e vítimas de contaminação, por gerações a fio.
A tentativa é reduzir a presença destes produtos nos planos industriais das empresas de diversos países filiados no mundo. Foram longos anos de negociação entre países signatários para trazer, sob o peso de leis, alterações que beneficiassem a humanidade na redução de químicos danosos. Os fundamentos dessa convenção avaliaram produtos químicos segundo seu potencial de: persistência, bioacumulação, potencial para transporte ambiental de longo alcance e efeitos adversos.

Barulho em nome do planeta – Isto é
Fonte: http://istoe.com.br/248794_BARULHO+EM+NOME+DO+PLANETA/
Entre Boff e Carson: uma ponte para um futuro menos tóxico
Leonardo Boff é filósofo renomado que compreendeu uma visão cósmica e, decerto, espiritualizada da questão ambiental, haja vista que é teólogo. Sua teoria compreende as ecologias: ambiental, social, mental e integral.
A primeira baseia-se na compreensão do ambiente e diminuição dos excessos humanos atuantes sobre o meio. A segunda insere o ser humano nesse meio, e compreende o respeito aos direitos sociais básicos do ser humano. A terceira especula o desenvolvimento mental de uma consciência ecológica no plano da concepção, da ideia, da filosofia de vida. E a última ascende ao plano elevado deste pensamento, que reside na compreensão da Terra como organismo vivo, cósmico, interligado, portanto na sua integridade.
Parece emergir da denúncia técnica e crítica da americana Rachel Carson e da holística do brasileiro Leonardo Boff, uma ponte para o futuro menos tóxico. Não o conseguiremos sem conhecer a realidade evidente do homem e suas artimanhas para burlar a consciência orgânica da natureza.
Referências Bibliográficas
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BOFF, L. Eco-espiritualidade: sentir, pensar e amar como Terra. In: Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. p.285-307.
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1969.
CYANAMID QUÍMICA DO BRASIL, Divisão Defensivos Agrícolas/ Centro de Controle de Intoxicações da UNICAMP (CCI). Toxicologia dos agroquímicos: compostos organofosforados. 1991.
FARINA, R. Toxicologia dos defensivos agrícolas. Paulínia, Shell Brasil S.A. (Petróleo), Divisão Agrícola, 1987.
LARINI, L. Toxicologia. São Paulo, Manole, 1987.
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SCHVARTSMAN, S. Intoxicações agudas. 4. ed. São Paulo, Sarvier, 1991.