Filipe Pacheco fala sobre a preparação para o vestibular, a experiência da aprovação e a nova vida na faculdade de Medicina recém-inaugurada em Mauá
“Eu via que Mauá precisa de médicos. Senti no coração que tinha que fazer alguma coisa pelo meu município”
Filipe Pacheco é filho de Mauá. Mora no Zaíra, bairro periférico onde residem quarenta mil pessoas, um décimo da população da cidade. Não é todo dia que alguém de lá entra na universidade, muito menos em medicina. Seus pais, Joana e Sebastião, missionários da igreja batista, não têm casa própria ou salário fixo. Residem em uma instituição beneficente na qual trabalham como voluntários. O filho, de 20 anos, foi selecionado para cursar medicina com bolsa integral na Uninove, que acaba de abrir as portas na cidade.
Mauá tem menos de dois médicos a cada mil habitantes, uma das taxas mais baixas do estado. A média da grande São Paulo é superior a três por mil. Grande parte dos médicos que atendem no Nardini, maior hospital público local, vem de Santo André ou São Paulo. Finalmente, por meio do Programa Mais Médicos, o município poderá formar alguns de seus próprios médicos. As mensalidades chegam a oito mil reais, mas duas, das cinquenta vagas, foram reservadas para estudantes carentes da cidade.
Filipe foi contemplado com uma dessas bolsas e pretende retribuir, no futuro, o benefício. “Eu via que Mauá precisa de médicos. Senti no coração que tinha que fazer alguma coisa pelo meu município”. O jovem defende a necessidade da humanização da medicina. “Precisamos de médicos que tenham mais carinho para com as pessoas, que as escutem.” Ele aponta também para a importância de uma medicina que vá além dos hospitais e postos de saúde, que pense no entorno, que mantenha relação com as famílias e atue de maneira preventiva.

Filipe e o coordenador Alexandre Takata
A preparação
A seleção, além de considerar critérios financeiros, foi feita pela nota do Enem 2016. Para se preparar para a prova, Filipe estudou no Cursinho Maximize. As mensalidades, próximas de 250 reais, foram pagas com a ajuda do pastor da sua igreja, que acreditou em seu potencial e se ofereceu para dividir o valor com os seus pais. Filipe aproveitou a oportunidade e se dedicou aos estudos por mais de 14 horas ao dia. Assistia as aulas do cursinho pela manhã e, à tarde e à noite, ficava na biblioteca da cidade ou na sala de estudos do cursinho para ler, resolver exercícios, escrever redações e tirar as dúvidas com os professores plantonistas.
O futuro médico conta que adorava as aulas do cursinho, em especial as aulas de biologia, sua disciplina predileta, ministrada pela professora Maíra Cortez. Diz que, fora do período das aulas, “grudava” na professora e ficava resolvendo exercícios. A redação foi outro ponto importante da sua preparação para o Enem. “Aprendi a fazer redação no Maximize, antes eu não tinha noção nenhuma de como escrever”. Além de ver todas as aulas da matéria, escrevia uma ou duas redações por semana e frequentava assiduamente as Oficinas de Redação, lideradas pela professora Joice Moreli.

Filipe e Tiago Abrantes, professor de geografia
Essencial para a redação e também para as prova de Ciências Humanas, o estudo de atualidades não poderia ficar de fora. Filipe batia cartão nas aulas do professor Tiago Abrantes, de geografia, e ainda procurava consumir conteúdos de qualidade, disponíveis na internet, de veículos de comunicação nacionais e internacionais. Por saber inglês, acompanhava até as notícias internacionais publicadas pela agência de notícias Reuters.
A nova rotina no curso
“São várias matérias difíceis, como bioquímica e biofísica, mas esse é um sofrimento que todo aspirante a médico quer ter na vida.” A rotina puxada de estudos do cursinho deve se manter parecida durante os 6 anos da faculdade. O curso é integral. Os livros são grossos, grandes. Filipe sabe que agora, além de entender todo o conteúdo dos livros, ele terá o desafio de relacioná-lo ao paciente, alguém que lhe confiará a vida. “Numa cirurgia, um erro milimétrico pode tirar a vida do paciente, então a responsabilidade é grande”.
Mas Filipe terá todos os instrumentos necessários para uma excelente formação, já que a estrutura e os professores da nova faculdade, segundo ele, são incríveis. O prédio de 10 andares onde funciona o curso conta com biblioteca, laboratórios e equipamentos muito modernos. Tudo novo. Na sala de simulação da UTI há manequins que reagem a estímulos da mesma forma que um ser humano. “Você pode ‘matar o manequim’ se der uma injeção errada!”, brinca o futuro médico.
Ele relata, ainda, a nova concepção de medicina que a faculdade traz. É uma proposta de integração entre a faculdade, a comunidade e as unidades de saúde ‒ hospitais, postos de pronto atendimento e unidades básicas. Desde o primeiro ano, os estudantes já fazem estágio nas UBS e participam de atividades nos bairros de Mauá. Ajudam em pesquisas nas ruas e nas casas, por exemplo sobre a dengue e outras doenças epidêmicas.
Tal concepção de curso faz todo sentido para um estudante que afirma: “Gosto de estudar e gosto de ajudar as pessoas, por isso vou ser médico.” Além disso, a possibilidade de cursar medicina na própria cidade é outro motivo de alegria. Se fosse estudar em uma universidade federal ou estadual, Filipe teria que deixar de morar com a família e poderia ter custos extras com transporte e alimentação.
“Eu sonho alto, mas Deus sonha mais. Deus me surpreendeu com essa benção”, repete Filipe, que professa a mesma fé de seus pais. Joana, Sebastião e os amigos da igreja celebram a conquista do primeiro futuro médico da família.

Filipe com Caio e Luana, da equipe de atendimento da unidade Mauá
Texto: Ana Paula Dibbern
Fotos: Leonardo da Silva