Por Claudio Vinicius Bastos
Bacharelando e licenciando em Letras-Inglês pela UPM (Universidade Presbiteriana Mackenzie), também colaborador do Cursinho Maximize
As discussões que envolvem o preconceito linguístico têm ganhado cada vez mais espaço e maior visibilidade na sociedade brasileira e no mundo, mas ainda existem fatores que são desconhecidos pela sociedade e precisam ser abordados com mais profundidade, para que práticas preconceituosas não sejam perpetuadas. Além desses fatores, alguns conceitos, que a sociolinguística estuda, são de grande serventia para compreender melhor os processos que a linguagem sofre.
“A sociolinguística é uma das subáreas da linguística que estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.”
O que é a Sociolinguística? Blog da Ed. Contexto
Antes de abordar o preconceito linguístico em si, vale observar um fenômeno que anda atrelado a ele, a variação linguística, a qual ocorre na linguagem quando esta muda de acordo com os registros e os níveis, podendo se distanciar ou aproximar da norma culta.
Por registros têm-se o formal e o informal, ou seja, a relação estabelecida entre o grau que a linguagem é capaz de variar de acordo com a formalidade necessária para determinado meio. Uma conversa entre amigos, por exemplo, é diferente de uma conferência no ambiente de trabalho. Quanto aos níveis, têm-se o coloquial ‒ ou popular ‒ e o culto, os quais representam a formação educacional do indivíduo ao longo de sua aquisição da língua.
Outros exemplos das variáveis dentro da linguagem podem ocorrer como um desdobramento do que foi mencionado anteriormente, tais quais:
- Idade. O falar do jovem tende a ser diferente do linguajar do seu tio ou avô assim como a linguagem de uma criança difere para um adulto, isto é, alguns itens lexicais podem se distanciar de acordo com a idade desse falante, por exemplo, o uso dos termos “careta”, “maneiro”, “cool”, “bicho” entre outros;
- Época. Esta é capaz de influenciar mudanças na fala. Neste sentido, há o exemplo histórico do pronome de tratamento vossa mercê que, ao longo de seu processo evolutivo, chegou à forma conhecida hoje como você;
- Gênero. Diferentes grupos sociais se expressam de acordo com sua visão de mundo. Pode-se marcar essa variável com o exemplo das diferenças estabelecidas entre a fala de uma mulher e de um homem heterossexual;
- Estilística. É a característica ligada ao estilo, à personalidade daquele que escreve ou fala. Na literatura e na música brasileira grandes nomes merecem destaque: Graciliano Ramos, Ariano Suassuna, Adoniram Barbosa e Caetano Veloso são alguns dos que marcaram, por meio de suas características específicas de regionalidade, seus falares pela arte;
- Região e sociedade. Estas talvez sejam o tipo de variável que é de mais fácil distinção, pois se trata do caso mais amplo quando se fala de variação. Tome-se como exemplo a planta tuberosa da família das Euphorbiaceae que é conhecida cientificamente como a espécie Manihot esculenta. No momento da leitura, esses nomes podem parecer estranhos, mas eles nada mais são do que a representação da palavra mandioca, como é conhecida em boa parte do sudeste e que em outras regiões também pode se chamada de macaxeira ou aipim. Logo, esse fenômeno reforça a ideia de que um mesmo produto ou objeto pode ter diferentes nomenclaturas de acordo com a região e a sociedade que o nomeia.
As formas de variações citadas anteriormente são pretextos sociais onde a prática preconceituosa atua, normalmente com grande juízo de valor depreciativo. Esse julgamento parte de uma premissa errônea segundo a qual o português que se distancia da norma padrão está errado. Contudo, na realidade, não existem formas erradas, mas sim formas diferentes e que devem ser usadas adequadamente no contexto em que se fala.
Uma vez que a constituição da linguagem é feita de forma sociocultural, esse processo é dependente da comunidade que cerca o indivíduo e a ação do preconceito subjuga e pressupõe todo contexto e os envolvidos no processo de aquisição e uso da linguagem. A não aceitação ou ridicularizarão das variantes é o que se chama de preconceito linguístico.
Há ainda uma diferença entre preconceito e intolerância. O preconceito trata de um pensamento internalizado no ser e a intolerância seria a prática desse pensamento, na maior parte das vezes com certa violência. A conceituação desses dois termos é muito importante, pois as práticas do preconceito são discriminatórias e já partem de uma ideia estabelecida anteriormente.
Não faltam exemplos para comprovar a veracidade do preconceito. A fala de nativos do Nordeste e Norte é, muitas vezes, motivo de chacota por ser considerada errada por brasileiros de outras regiões. Da mesma forma, o falar de uma pessoa menos escolarizada é também associado ao uso equivocado da norma culta. Isso aponta um problema relacionado a quem fala e não como fala. No geral, as vítimas dessa forma de preconceito são pessoas com baixo grau de escolarização e de renda.
Usa-se a linguagem para perpetuar e propagar outras formas de preconceito estabelecidas antes mesmo do linguístico. Questões ideológicas, econômicas, sociais, geográficas e contextuais são, na maior parte das vezes, a premissa dessa problemática social.
Os caminhos para o combate ao preconceito linguístico são extremamente complexos, pois, como foi observado, não se trata apenas da língua materna em si. Medidas de prevenção já vêm sendo estabelecidas pelo Ministério da Educação por meio da reformulação dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), que definem quais conteúdos de língua portuguesa ‒ e das outras disciplinas ‒ são abordados nos níveis educacionais fundamental e médio. Há, também, exemplos de estudos linguísticos desenvolvidos que tratam o problema e buscam soluções atreladas ao que o MEC desenvolveu nos últimos anos sobre a temática.
Dentre os estudos, a escola e o professor têm um papel importante, pois cabe a essa dupla a missão de conter o avanço das práticas preconceituosas. O estudante que chega ao meio escolar com um tipo de variedade não pode sofrer nenhuma descriminação pelo seu modo de falar e compete ao professor e à comunidade escolar mostrar, respeitando as variedades, que aquele é um tipo de linguagem, dentre outras, específica e identitária daquele falante. A esse processo podemos atribuir uma parte da solução do problema. Logo, o discente toma consciência sobre seu modo de falar e compreende que existem espaços nos quais o uso da norma culta da língua é necessário e outros em que é aceitável um uso que não se adapte à gramática normativa. O próprio PCN do ensino fundamental de 1998 apresenta tal concepção:
PCN (1998, 82). É importante que o aluno, ao aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana.
Evanildo Bechara, atual representante da Academia Brasileira de Letras, trabalha com o conceito de “tornar o aluno um poliglota dentro de sua própria língua”, ou seja, mostrar a ele que existem outras formas que compõem o português.
Todo esse processo é necessário para o combate ao preconceito linguístico, uma vez que: reconhece-se a existência do problema, são feitos estudos que o analisam, estudam-se as variantes linguísticas e, então, o MEC cria políticas públicas capazes de estudar o problema, com auxilio de especialistas, correlacionadas ao ensino médio e fundamental.
Referências Bibliográficas:
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Mariani, B. (s.d de Jul./dez. de 2008). VII Seminário Corpus- História das Ideias Linguísticas. Entre a evidência e o absurso: sobre preconceito linguístico , pp. 19-34.
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Moncau, J. (24 de Dezembro de 2010). Carta Capital. Acesso em 06 de Maio de 2017, disponível em Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/politica/preconceito-que-cala-lingua-que-discrimina
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