Por Maíra Paula Tir Cortez
Bacharela em Ciências Biológicas pela Unifesp, mestra em Ecologia de Ecossistemas Aquáticos e Terrestres pela USP e professora de biologia no Cursinho Maximize
Água é essencial para a vida de todos os seres vivos na Terra. Bem mais de 50% do peso do corpo humano, por exemplo, é água. E se essa taxa cai 5% ou se ficarmos 4 dias sem tomar água no calor de um país tropical, como o Brasil, o nosso organismo começa a falir. Já que é assim tão importante, vamos tratar este líquido com mais seriedade. Por quê? Porque sem água não há vida.
A Terra, não à toa, é chamada de planeta água, porque tem, aproximadamente, 70% de sua superfície coberta por este líquido. Mais precisamente, 71,2% de água salgada, nos mares e oceanos, e somente 2,2% de água doce, nos rios, lagos e lençóis subterrâneos. A água doce, aquela adequada para o consumo, a bem da verdade, não é doce, ela apenas tem salinidade muito próxima de zero e recebeu este nome só por oposição à água salgada. Esses 2,2% parecem ser pouca coisa, mas não são. Este potencial aquífero daria, sim, para sanar a sede de toda a população humana, animal e vegetal do planeta, só que nem toda água doce é facilmente disponível devido à sua localização e/ou ao seu estado físico. E, ainda, o ser humano não cuida da água como deveria, polui rios e lagos e degrada as matas ciliares, o que causa erosão e assoreamento. Com isso, a água, tão importante, desaparece.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente avalia que 40% da população mundial já encontra dificuldades para manter acesso a fontes de água e mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável. Este é um quadro triste e até desesperador para a conservação da vida na Terra. Dentre as principais agressões observadas nesses sistemas, destacam-se os impactos oriundos das cidades e fazendas que adicionam poluentes e nutrientes em excesso aos ecossistemas aquáticos, alterando as características químicas da água e, portanto, afetando sua qualidade, seus tratamentos específicos para consumo e a biodiversidade presente. Estes transtornos são muitas vezes irreversíveis ou de difícil e onerosa recuperação e as consequências são severas, não só para o meio ambiente, mas também para a saúde humana. Estima-se que a água contaminada seja o motivo da morte de 2 milhões de pessoas todos os anos.
O Brasil detém grande potencial hídrico, possui cerca de 12% de toda água doce disponível no planeta. Em tese, cada brasileiro dispõe de 34 milhões de litros de água, mas 20% da população urbana não possui rede de água e esgoto e grande parte das pessoas não tem acesso à água de qualidade e/ou não tem acesso à quantidade mínima de água. A diarreia, por exemplo, é uma doença normalmente relacionada à presença de protozoários na água de má qualidade e mata mais do que todas as guerras e violência urbana no mundo. Apesar de a água ser um bem essencial e insubstituível, cada vez mais os reservatórios passam por contínuas agressões que afetam e, muitas vezes, inutilizam este bem precioso.
Uma importante fonte potencial no abastecimento são as águas subterrâneas. Os aquíferos são formados pelo acúmulo da água das chuvas que se infiltra no solo. Se houverem poluentes nesse solo, eles podem ser carregados junto com a água para o reservatório. O aquífero Guarani é um verdadeiro oceano de água potável. Possui 40 mil km³ de água doce, mais do que a união de todos os lagos e rios do mundo e é compartilhado pelo Brasil (região Sul), Paraguai, Uruguai e Argentina. Infelizmente, estudos indicam que a qualidade da água pode estar comprometida por poluentes decorrentes de práticas agrícolas e pecuárias. Algo semelhante ocorre no Pantanal, famoso por ser a maior planície inundável do mundo.
Os rios, represas e outros reservatórios que cortam as grandes cidades brasileiras também são agredidos, na maioria das vezes, pelo grande aporte de esgoto sem tratamento que recebem. Como resultado de tal agressão, vemos a eutrofização desses ambientes, o acúmulo de substâncias químicas tóxicas e a morte dos ecossistemas aquáticos. Na região metropolitana de São Paulo, um exemplo famoso é o rio Tietê, que estava condenado desde as décadas de 40 e 50 e já passou por diversas tentativas de recuperação. Milhões de reais já foram gastos nos últimos anos para recuperá-lo, mas o processo é incrivelmente mais lento do que o esperado.
Para proteger esse recurso inestimável, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) entrou em vigor através da Lei Nº 9.433/1997 e tem como objetivo assegurar a disponibilidade de água para a atual e as futuras gerações, estimulando o uso racional e sustentável dos recursos e prevenindo contra eventos hidrológicos naturais ou causados pela ação humana.
Apesar da existência de leis de proteção, rios, represas, lagos e outros ambientes aquáticos continuam sendo forte e rapidamente impactados por diversas formas de poluição e pelo descaso governamental e da própria população.
Poluição Orgânica
A eutrofização ou eutrofização é um processo natural que consiste no aumento de nutrientes (componentes químicos presentes em carboidratos, proteínas, lipídeos etc.) nos ecossistemas aquáticos, mas nas últimas décadas este processo sofreu uma grande aceleração por atividades antrópicas, causando a perda de biodiversidade e potabilidade nos ambientes aquáticos. O excesso de nutrientes (especialmente nitrogênio e fósforo) dos fertilizantes lançados sobre o solo das plantações nas fazendas é carregado, principalmente pela água da chuva, para dentro de um ecossistema aquático próximo. Nas grandes cidades, o esgoto doméstico é a principal fonte de contribuição destes e de outros nutrientes.

Foto: Maíra Cortez, Explosão populacional de fitoplâncton na Represa Billings (São Paulo)
Na água, nitrogênio e fósforo são absorvidos e utilizados por organismos fotossintetizantes como algas e cianobactérias (fitoplâncton), causando explosões em suas populações. O grande aumento destas populações causa mudanças na estrutura das comunidades aquáticas, gerando efeitos ao longo de toda a teia alimentar. Muitas espécies de cianobactérias, por exemplo, podem produzir substâncias com efeitos biológicos tóxicos e tais toxinas têm sido responsáveis por casos de intoxicação de animais tanto da fauna silvestre quanto domésticos em todo o mundo e também do homem. Quando esses organismos morrem e chegam ao fundo do ecossistema aquático, decompositores são beneficiados pela grande quantidade de alimento disponível e também têm grande crescimento populacional, contribuindo assim para a diminuição nos níveis de oxigênio dissolvido na água. Os outros habitantes deste ambiente têm perda na disponibilidade de oxigênio e, por consequência, têm sua população diminuída. A morte desses seres contribui ainda mais para a diminuição dos níveis de oxigênio, uma vez que a sua matéria orgânica também servirá de alimento para os decompositores. Por fim, há predomínio dos decompositores, em sua maioria espécies de bactérias que podem causar diversas doenças nos seres humanos e também em outros animais.
Para desacelerar a eutrofização é importante, por exemplo, evitar o lançamento de esgoto não tratado nos ambientes aquáticos e diminuir o uso de detergentes ricos em fosfatos.
Poluição Química
Na maioria dos casos, a poluição química tem origem em esgoto industrial despejado sem tratamento nos ecossistemas aquáticos e também em decorrência do uso de agrotóxicos na agricultura. Tais substâncias acabam incorporadas em pequenas concentrações em alguns seres vivos, entrando nas cadeias alimentares. Consumidores localizados no fim dessas sequências tróficas acabam por acumular grande quantidade do poluentes em seus organismos (bioacumulação ou magnificação trófica). Seres humanos podem, por exemplo, consumir peixes contaminados por mercúrio e, em longo prazo, desenvolver lesões irreversíveis no sistema nervoso. Pesticidas podem permanecer por décadas no solo, água e nos seres vivos e, dependendo do tipo de substância química presente no agrotóxico, diversos problemas de saúde podem ser desenvolvidos.
Diminuir o uso de defensivos agrícolas e fiscalizar o despejo de esgoto industrial são algumas medidas que auxiliam na amenização do problema.

Foto: Autor desconhecido, Rio Tietê (estado de São Paulo)
Combatendo o descaso
É muito comum a população acusar o governo de não se empenhar suficientemente por uma causa, mas mais comum ainda é a própria população não fazer nada e só esperar a solução de todos os problemas. Não há solução se não há participação!
A educação ambiental é fundamental para a conquista de um ambiente ecológico protegido. A população tem a responsabilidade de comunicar as autoridades competentes sempre que observar ações que possam contribuir para o desperdício ou a poluição das fontes de água. O governo, claro, deve fazer sua parte e formar educadores ambientais para instituir ações pedagógicas que possibilitem a compreensão da complexidade ambiental. Canais de informação contínua para a conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental e das consequências presentes e futuras também são essenciais. Outras ações importantes estão na economia doméstica da água, como o aproveitamento da água da chuva, a reutilização da água usada na lavagem de roupas na limpeza do quintal, o fechamento da torneira enquanto se escova os dentes e a prática de banhos mais rápidos contribuem muito no combate ao desperdício.
O estabelecimento de padrões de qualidade ambiental serve como base para que punições sejam utilizadas como forma de compensação ambiental e como tentativa de coibir a reincidência das agressões. Para isso, a fiscalização de possíveis fontes contaminadoras dos mananciais, como fábricas e indústrias, é essencial. Ampliar o monitoramento das áreas de risco e das já atingidas pelos órgãos ambientais auxilia nesta fiscalização.
Outro setor importante, ainda que não relacionado com a poluição, é a grande perda de água tratada mesmo antes de sua chegada ao consumidor final. Cerca de 40% da água já tratada no Brasil é perdida para vazamentos de adutoras e encanamentos domésticos. A prevenção é o melhor remédio, e ela precisa ser feita através de investimento das empresas distribuidoras de água e também dentro de casa, com a manutenção periódica e o conserto dos vazamentos.
Juntos, governo e população têm o poder de diminuir consideravelmente os problemas enfrentados com a destruição dos mananciais. Preservar a água é preservar a vida, não só a dos seres humanos, mas de todas as outras espécies de seres vivos. E essa é uma obrigação nossa.